Estudo aponta que comportamento dos animais não é definido apenas pela genética ou pelo aprendizado
Cachorros que passeiam diariamente com seus donos são menos agressivos. Cães cujas tutoras são mulheres supostamente latem menos para estranhos. Já os caninos mais pesados tendem a ser menos insolente…
De acordo com o artigo, os resultados confirmam a hipótese de que o comportamento dos cachorros não é algo definido apenas pelo aprendizado, nem só pela genética. Trata-se do efeito de uma interação
constante com tudo o que cerca a vida do animal. O estudo teve apoio da FAPESP por meio de um projeto sobre a abordagem etológica da comunicação social entre diversas espécies, entre elas a humana.
“Os resultados ressaltam algo que estamos estudando já há algum tempo: O comportamento emerge da interação do animal com o seu contexto, ou seja, o ambiente e o convívio com o tutor, por exemplo, além…
No estudo, realizado durante a pandemia de COVID-19, 665 tutores de cães responderam a três questionários on-line, que forneciam informações sobre características do animal, seu ambiente,
tutor e comportamentos agressivos, como latir para estranhos e até atacar. Ao cruzar essas informações com o grau de agressividade dos cães, os pesquisadores identificaram alguns padrões interessantes…
Os questionários foram desenvolvidos pela pesquisadora do IP-USP Natália Albuquerque e a professora Carine Savalli, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Apenas o gênero do tutor se mostrou um fator capaz de predizer o comportamento com estranhos: a ausência de agressividade foi uma característica 73% mais frequente entre os cães de mulheres”, conta
Flávio Ayrosa, primeiro autor do artigo.
O sexo do animal também parece influenciar o grau de agressividade. “A chance de o animal ser hostil com o dono foi 40% menor em fêmeas do que em machos”, diz o autor. “Mas foi na comparação entre
tamanho do focinho que encontramos uma diferença mais significativa: as chances de agressividade contra o dono tendem a ser 79% maiores em cães braquicefálicos [focinho achatado] do que nos
mesocefálicos”, afirma.
Por outro lado, quanto mais pesado o cão, menor era a possibilidade de agressividade contra seu tutor. Ao cruzar os dados, os pesquisadores identificaram que as chances de agressividade diminuíram 3%
para cada quilo extra de massa corporal.
Mas Ayrosa ressalta que os achados associados ao perfil do tutor não são uma relação de causa e efeito. “Encontramos uma relação, mas não é possível dizer o que vem primeiro. O fator ‘passear com os
cães’, por exemplo: pode ser que as pessoas passeavam menos com os cachorros por eles serem animais agressivos, ou os cachorros podem ter se tornado mais agressivos porque seus tutores não passeavam
com eles”, afirma.
“Características como peso, altura, morfologia do crânio, sexo e idade influenciam a interação entre os cães e seu ambiente. Isso pode fazer com que o animal passe mais tempo em casa, por exemplo”, completa.
Historicamente, a agressividade dos cães tem sido associada única e exclusivamente à questão da raça. Tal paradigma começou a mudar nos últimos dez anos, quando surgiram os primeiros estudos que
relacionavam perfis comportamentais com fatores como idade do cão, sexo, questões metabólicas e diferenças hormonais. No Brasil, a pesquisa coordenada pelo grupo do IP-USP foi a primeira a avaliar
questões morfológicas e comportamentais, entre elas a agressividade, em animais sem raça definida.
“Só mais recentemente os estudos passaram a investigar a influência de fatores relacionados à morfologia, histórias de vida dos animais, características dos tutores, origem [comprado ou adotado],
como é o caso do nosso estudo”, diz Ayrosa.